segunda-feira, 4 de abril de 2011

O menino que escrevia


Certa vez houve um menino que gostava de escrever. No começo ele não entendia direito porque fazia aquilo. Mas sim ele gostava. Aquilo o fazia muito bem. Escrever o levava para algum lugar onde ele se sentia bem. Um lugar que no início parecia ser fora da realidade. E talvez até fosse, mas era exatamente o que ele precisava. Para entender e conviver com a realidade é necessário muitas vezes sair um pouco dela. É necessário olhar de longe, de um lugar onde o peso de existir não seja um problema.
Alguns falavam que ele escrevia simplesmente por desabafo. Mas o que acontece com quem guarda suas angustias para si? Ele precisava se livrar de muita coisa. Haviam muitas coisas nele que no fundo não eram dele, estavam lá apenas emprestado. E tudo que se pega emprestado uma hora a gente acaba tendo que devolver.
E ele crescia e a necessidade de escrever ia cada vez aumentando mais e mais. A vida havia começado a parecer coisa de gente grande, e obviamente isso o assustava imensamente. Havia algo nele que sabia que esse tipo de vida que as pessoas levavam não era uma vida para ele. Ele precisava de algo mais. Ele precisava de algo além. A vida tinha que ser mais. E foi então que o lápis e o papel ficaram ainda mais e mais importantes. Quem sabe através daqueles incontáveis textos a vida não teria uma maneira de em algum lugar mandar alguma mensagem escondida?
E a escrita continuou e continuou. Gritos de ódio, palavras de amor, choros solitários, gargalhadas de alegria. Não havia outro jeito. A vida trazia todas essas coisas para ele. E o que ele poderia fazer contra a vida? Com o seu lápis na mão ele era capaz de lutar contra tudo e contra todos. Inclusive contra o próprio Deus. Mas nunca contra a vida. Isso ele no fundo nunca negou. Por mais que ele quisesse fugir por algum tempo, aquelas fugas eram no fundo apenas para recuperar o fôlego.
E foi então que algumas pessoas começaram a perceber que o que ele escrevia na verdade era até interessante. Era ainda um menino tentando se encontrar, mas ali alguns já começaram a ver que brotava uma semente de algo diferente. De algo que nem mesmo eles entendiam muito bem o que era. Algo que inclusive muitos temiam por não saber qual seria o fim daquilo tudo. Mas ele não se preocupava muito com essas coisas de fim, pois mesmo naquela época ele já sabia que a vida nunca coloca fim a nada, ela sempre continua. Ela muda, assume outra forma, outro gosto, outra cor, mas sempre continua de algum jeito.
Os seus textos começaram então a ficar mais profundos, mais gostosos, mais ardentes, mais poéticos algumas vezes, mais insanos, mais perigosos. A medida em que ele avançava na vida, as suas verdades ficam cada vez mais intensas, mais fortes. E foi então que ele percebeu que havia algo nele que ele poderia compartilhar com o mundo. Havia algo nele louco para ser compartilhado com o mundo. A vida queria gritar através dele. E mesmo em seus momentos de insanidade a vida mesmo assim ainda queria gritar através dele, pois quem disse que a vida não possui lindas loucuras dignas de serem compartilhadas?
Agora ele já não podia mais parar com aquilo. Era mais forte do que ele. Agora o escrever era parte de sua alma. Parte do seu próprio desejo de viver. Essa era sua arte. Essa era sua inspiração. Agora cada vez que escrevia se sentia mais perto da existência. Mais perto de si mesmo. E estranhamente até mesmo mais perto das pessoas. Mais perto da humanidade. Escrever era ao mesmo tempo um refúgio da realidade nos momentos difíceis e a maneira mais fácil de retornar a ela em momentos de calmaria. Sem a escrita a vida não tinha tanta cor. Escrever alimentava a alma. E quem disse que só o corpo necessita de alimento?
Uns diziam que ele queria agora criar uma nova crença. Trazer uma ideia nova. Ter os seus próprios seguidores. Mas ele nunca ligou muito para isso. No fundo ele nunca escreveu para ninguém além dele mesmo. Ele nunca escreveu para mudar o mundo. Talvez tenha o feito no início, mas que menino quando jovem não sonha em mudar o mundo? Ele se divertia escrevendo, ele ria escrevendo, ele chorava escrevendo. O seu escrever não tinha um propósito fixo, cada dia era por uma razão diferente. E na maioria das vezes até mesmo não havia razão nenhuma. Escrever era viver. Era esquecer da vida, era lembrar da vida. Era entender a vida para descobrir depois que a vida não podia ser entendida. E ele escrevia, escrevia e escrevia ... Para onde será que ele ia? Para onde será que o escrever o estava levando? Ele ainda não sabia, e nem mesmo se importava tanto assim, ele continuou simplesmente fazendo o que ele sempre fazia, ele escrevia, escrevia e escrevia ...

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