segunda-feira, 26 de abril de 2010

Trecho de "Dialética Erística" de Arthur Schopenhauer


De fato, não existe nenhuma opinião, por absurda que seja, que os homens não se lancem a torná-la sua, tão logo se tenha chegado a convencê-los de que é universalmente aceita. O exemplo vale tanto para suas opiniões quanto para sua conduta. São ovelhas que vão atrás do carneiro-guia aonde quer que as leve. Para eles é mas fácil morrer do que pensar. (...)
O que se chama opinião geral reduz-se, para sermos preciso, à opinião de duas ou três pessoas; e ficaríamos convencidos disto se pudéssemos ver a maneira como nasce tal opinião universalmente válida. Então descobriríamos que, num primeiro momento, foram dois ou três que pela primeira vez as assumiram e apresentaram ou afirmaram e que os outros foram tão benevolentes com eles que acreditaram que as haviam examinado a fundo; prejulgando a competência destes, outros aceitaram igualmente essa opinião e nestes acreditaram por sua vez muitos outros a quem a preguiça mental impelia a crer de um golpe antes que tivessem o trabalho de examinar as coisas com rigor. Assim crescem dia após dia o número de tais seguidores preguiçosos e crédulos.
De fato, uma vez que a opinião tinha um bom número de vozes que a aceitavam, os que vieram depois supuseram que só podia ter tantos seguidores pelo peso concludente de seus argumentos. Os demais, para não passar por espíritos inquietos que se rebelam contra opiniões universalmente admitidas e por sabichões que quisessem ser mais espertos que o mundo inteiro, foram obrigados a admitir o que todo mundo já aceitava. Neste ponto, a concordância torna-se uma obrigação. E, de agora em diante, os poucos que forem capazes de julgar por si mesmos se calarão, e só poderão falar aqueles que, totalmente incapazes de ter uma opinião e juízo próprios, sejam o eco das opiniões alheias. E estes, ademais, são os mais apaixonados e intransigentes defensores dessas opiniões. Pois estes, na verdade, odeiam aquele que pensa de modo diferente, não tanto por terem opinião diversa daquela que ele afirma, quanto pela sua audácia de querer julgar por si mesmo, coisa que eles nunca poderão fazer, sendo por dentro conscientes disto.
Em suma, são muito poucos os que podem pensar, mas todos querem ter opiniões. E que outra coisa lhes resta senão tomá-las de outros em lugar de formá-las por conta própria? E, dado que isto é o que sucede, que pode valer a voz de centenas de milhões de pessoas?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O homem


É chegado o tempo de novos homens. A humanidade já não aguenta mais carregar o fardo do passado. A moral serviu para esmagar o homem, para fazê-lo sentir-se feio. Depois da invenção da moral os humanos passaram a se esconder, acumularam culpa atrás de culpa e nunca mais conseguiram ver o quão bonito sempre foram. Passaram a não ser livres, e por causa do sentimento de culpa e da não aceitação de si mesmos começaram a julgar os outros. Nesse ponto sua liberdade diminuiu ainda mais, pois quando julgamos estamos nos proibindo moralmente de cometer tais atos. Toda essa loucura criou um peso insuportável na alma das pessoas. As depressões e os suicídios mostram isso. Esse peso transformou a vida em um fardo. A vida que deveria ser uma celebração de si mesma, da beleza humana, da liberdade dos desejos, passou a ser um fardo. A existência, tão bela e amável, ao ganhar o nome de Deus passou a ser tirana e opressora. As pessoas não amam à Deus, elas o temem. Elas temem descobrir que no fundo sempre foram livres, que sempre foram belas, que não existe caminho a ser seguido, pois a vida e tudo que precisamos já estão aqui e agora. Não há a necessidade de se buscar nada no futuro. Quem coloca a felicidade no futuro jamais a terá no presente.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Trechos de A Gaia Ciência de Friedrich Nietzsche


Contra os caluniadores da natureza - Que seres desagradáveis estas pessoas em que toda tendência natural se torna rapidamente doença, algo deformante ou mesmo ignomínia! São elas que nos fazem acreditar que as inclinações naturais, os instintos do homem são maus; são elas a causa da nossa injustiça para com a nossa natureza, para com toda a natureza! Não faltam pessoas que teriam o direito de se abandonar às suas inclinações com graça, com despreocupação: mas não o fazem, com receio desta "má essência" imaginária da natureza! É em função disso que se encontra tão pouca nobreza em meio aos homens, pois a nobreza de uma alma se reconhecerá sempre no fato de não ter medo de si próprio, não esperar nada de vergonhoso e voar sem escrúpulos por toda a parte, tal pássaro nascido livre como é, onde o seu desejo o impele! Aonde quer que vá, será sempre rodeado pelo sol e pela liberdade.

Domínio sobre si - Esses professores da moral que recomendam ao homem acima de tudo que se autodomine, dão-lhe dessa forma, uma singular doença, ou seja, uma constante irritabilidade e uma comichão a todas às emoções e inclinações mais naturais. Seja o que for que lhe aconteça daqui para frente, seja de fora, seja de dentro, seja o que for que ele aí encontre ou que o atraia, ou que o incite, ou que empurre, parece sempre a este ser irritadiço que o seu domínio sobre si corre os maiores perigos: já não tem o direito de se fiar em nenhum instinto, de se abandonar a nenhum impulso livre, mantém-se na defensiva, sem repouso, eriçado de armas contra ele próprio, o olhar atento e desconfiado, mantendo eternamente diante da própria torre uma guarda que se impôs a ele mesmo. Por certo, ele pode ser grande nesse papel! Mas como se tornou insuportável aos outros, pesado para si mesmo, pobre, enfim, hermeticamente fechado aos mais belos acasos da alma! Como também, a qualquer outra lição futura! É preciso, pois, de vez em quando, saber perder-se, se quisermos aprender alguma coisa daquilo que nós próprios não somos.

Trecho de 'Richard Wagner em Bayreuth' de Friedrich Nietzsche


A paixão é melhor do que o estoicismo e a hipocrisia; ser sincero, mesmo no mal vale mais do que perder-se a si próprio na moralidade da tradição, o homem livre pode escolher ser bom ou mau, mas o homem não-livre é uma vergonha da natureza e não tem direito a nenhuma consolação celeste ou terrestre; enfim, todo aquele que deseja tornar-se livre só poderá fazê-lo pelos seus próprios meios, a liberdade nunca cai do céu a ninguém por milagre.