quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Uma canção bonita

Certa vez Nietzsche disse o seguinte: "Quem nos cantará uma canção, uma canção matinal, uma canção leve, tão aérea e ensolarada que consiga não expulsar as ideias negras, mas ao contrário, as convide a partilhar as nossas danças e os nossos cantos?". Com isso na cabeça eu me levantei no dia de hoje. Ventos pesados correm o planeta hoje em dia. É a vitória da loucura e da insensatez que se vê como o profeta de um mundo novo que parece muito velho. Uma áurea de paranoia tomou proporções gigantescas e agora toma corpo e vira a verdade da vez. O que se crê é uma mentira. Ao invés de se dizerem desumanizadores do mundo se chamam pragmáticos conservadores. Se dizem fazer um ajuste necessário como um "mal" que tem que ser feito, mas os sorrisos que aparecem na hora que conseguem confirmar a destruição da vida dos outros não esconde que esse "mal" é um gozo. É o coliseu romano onde se tem prazer em ver quem não é considerado gente sofrer tortura e se divertir com isso. É um gozo pela miséria alheia que se traveste de palavras bonitas para fingir que não é o que é. É a fé no discurso da economia que nem é economia de verdade mas que serve para oprimir e para justificar o injustificável. É como mesmo Nietzsche disse uma outra vez: "qualquer interpretação que prevaleça em um determinado momento é função de seu poder e não de sua verdade". É uma mentira mal contada e sem razão que é muito poderosa. E quem a cumpre, quem a propaga, quem a obedece, quem a teme, e quem goza nela representa apenas isso, esse prazer de aproveitar um reinado poderoso mas que nasceu falido em qualquer capacidade transformadora e humanizadora. Eu não desisti de lutar. Não desisti mesmo. Cada vez que usam o rótulo da vez como desculpa para oprimir alguém, imigrante, muçulmano, pobre, preto, mulher, não-qualificado, ineficiente, estudante, vem sempre a mesma lógica do gozo de causar miséria alheia, e o medo da dignidade do outro. Medo do outro ter dignidade. Essa é uma boa definição para essa onda louca que tomou conta do mundo. Não é incapacidade de prover dignidade como eles clamam. É o medo do outro, do que sempre foi oprimido, de um dia ter dignidade. E por isso volto a Nietzsche. Essa onda, esse vento pesado já corre o mundo a mais de mil anos. Talvez ele sempre tenha estado ali. Não sei. E como me parece que cada ataque de loucura encima desta loucura apenas aumenta o peso do ar envolta dela, lembrei de Nietzsche de sua canção matinal. Queria ser e participar da construção dessa canção boa, desse poder leve. Também não sei o que é isso e nem como funciona, mas gostaria de ser, de fazer algo assim. Que este momento seja o momento da construção disto. Que este algo novo que nunca nasceu tome corpo e que de vez exista para que o velho presidente engravatado com a alma vendida ao diabo possa olhar nos olhos dessa nova verdade e não temer que seja destronado, mas que caia no chão morto com o peso da vergonha de ter feito o que já fez e de ter sido quem se foi. E que dessa morte surja algo bom no lugar. Quem sabe a própria alma do opressor da vida alheia não tenha deixado guardado em algum lugar algo que mereça renascer como algo bom. Não sei. Mas quem sabe?