quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Trechos de "O Nascimento da tragédia" de Nietzsche


Todavia, a palavra mais incisiva em favor dessa nova e inaudita estimação do saber e da inteligência foi proferida por Sócrates, quando verificou que era o único a confessar a si mesmo que não sabia nada; enquanto, em suas andanças críticas através de Atenas , conversando com os maiores estadistas, oradores, poetas e artistas , deparava com a presunção do saber. Com espanto, reconheceu que todas aquelas celebridades não possuíam uma compreensão certa e segura nem sequer sobre suas profissões e seguiam-nas apenas por instinto. "Apenas por instinto": por essa expressão tocamos no coração e no ponto central da tendência socrática. Com ela, o socratismo condena tanto a arte quanto a ética vigentes; para onde quer que dirija o seu olhar perscrutador, avista ele a falta de compreensão e o poder da ilusão; dessa falta, infere a íntima insensatez e a detestabilidade do existente. A partir desse único ponto julgou Sócrates que devia corrigir a existência: ele, só ele, entra com ar de menosprezo e de superioridade, como precursor de uma cultura, arte e moral totalmente distintas, em um mundo tal que seria por nós considerado a maior felicidade agarrar-lhe a fímbria com todo o respeito. 

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Também a arte dionisíaca quer nos convencer do eterno prazer da existência: só que não devemos procurar esse prazer nas aparências, mas por trás delas. Cumpre-nos reconhecer que tudo quanto nasce precisa estar pronto para um doloroso ocaso; somos forçados a adentrar nosso olhar nos horrores da existência individual - e não devemos todavia estarrecer-nos: um consolo metafísico nos arranca momentaneamente da engrenagem das figuras mutantes. Nós mesmos somos realmente, por breves instantes, o ser primordial e sentimos o seu indomável desejo e prazer de existir; a luta, o tormento, a aniquilação das aparências se nos afiguram agora necessários, dada a pletora de incontáveis formas de existência a comprimir-se e a empurrar-se para entrar na vida, dada a exuberante fecundidade da vontade do mundo; nós somos trespassados pelo espinho raivante desses tormentos, onde quer que nos tenhamos tornado um só, por assim dizer, com esse incomensurável arquiprazer na existência e onde quer que pressintamos, em êxtase dionisíaco, a indestrutibilidade e a perenidade deste prazer. Apesar do medo e da compaixão, somos os ditosos viventes, não como indivíduos, porém como o uno vivente, com cujo gozo procriador estamos fundidos. 

sábado, 25 de março de 2017

Trecho de Verdade e mentira no sentido extramoral de Nietzsche

"No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de inumeráveis sistemas solares, houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventaram o conhecimento. Este foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal, mas foi apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, o planeta congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer. Esta é a fábula que se poderia inventar, sem com isso chegar a iluminar suficientemente o aspecto lamentável, frágil e fugidio, o aspecto vão e arbitrário dessa exceção que constitui o intelecto humano no seio da natureza. Eternidades passaram sem que ele existisse; e se ele desaparecesse novamente, nada se teria passado; pois não há para tal intelecto uma missão que ultrapasse o quadro de uma vida humana. Ao contrário, ele é humano e somente seu possuidor e criador o trata com tanta paixão, como se ele fosse o eixo em torno do qual girasse o mundo. Se pudéssemos entender a mosca, perceberíamos que ela navega no ar animada por essa mesma paixão e sentindo em si que voar é o centro do mundo. Nada há de tão desprezível e de tão insignificante na natureza que não transborde como um odre ao menor sopro dessa força do conhecer, e assim como todo carregador quer também ter o seu admirador, o homem mais arrogante, o filósofo, imagina ter também os olhos do universo focalizados, como um telescópio, sobre suas obras e seus pensamentos."

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Uma canção bonita

Certa vez Nietzsche disse o seguinte: "Quem nos cantará uma canção, uma canção matinal, uma canção leve, tão aérea e ensolarada que consiga não expulsar as ideias negras, mas ao contrário, as convide a partilhar as nossas danças e os nossos cantos?". Com isso na cabeça eu me levantei no dia de hoje. Ventos pesados correm o planeta hoje em dia. É a vitória da loucura e da insensatez que se vê como o profeta de um mundo novo que parece muito velho. Uma áurea de paranoia tomou proporções gigantescas e agora toma corpo e vira a verdade da vez. O que se crê é uma mentira. Ao invés de se dizerem desumanizadores do mundo se chamam pragmáticos conservadores. Se dizem fazer um ajuste necessário como um "mal" que tem que ser feito, mas os sorrisos que aparecem na hora que conseguem confirmar a destruição da vida dos outros não esconde que esse "mal" é um gozo. É o coliseu romano onde se tem prazer em ver quem não é considerado gente sofrer tortura e se divertir com isso. É um gozo pela miséria alheia que se traveste de palavras bonitas para fingir que não é o que é. É a fé no discurso da economia que nem é economia de verdade mas que serve para oprimir e para justificar o injustificável. É como mesmo Nietzsche disse uma outra vez: "qualquer interpretação que prevaleça em um determinado momento é função de seu poder e não de sua verdade". É uma mentira mal contada e sem razão que é muito poderosa. E quem a cumpre, quem a propaga, quem a obedece, quem a teme, e quem goza nela representa apenas isso, esse prazer de aproveitar um reinado poderoso mas que nasceu falido em qualquer capacidade transformadora e humanizadora. Eu não desisti de lutar. Não desisti mesmo. Cada vez que usam o rótulo da vez como desculpa para oprimir alguém, imigrante, muçulmano, pobre, preto, mulher, não-qualificado, ineficiente, estudante, vem sempre a mesma lógica do gozo de causar miséria alheia, e o medo da dignidade do outro. Medo do outro ter dignidade. Essa é uma boa definição para essa onda louca que tomou conta do mundo. Não é incapacidade de prover dignidade como eles clamam. É o medo do outro, do que sempre foi oprimido, de um dia ter dignidade. E por isso volto a Nietzsche. Essa onda, esse vento pesado já corre o mundo a mais de mil anos. Talvez ele sempre tenha estado ali. Não sei. E como me parece que cada ataque de loucura encima desta loucura apenas aumenta o peso do ar envolta dela, lembrei de Nietzsche de sua canção matinal. Queria ser e participar da construção dessa canção boa, desse poder leve. Também não sei o que é isso e nem como funciona, mas gostaria de ser, de fazer algo assim. Que este momento seja o momento da construção disto. Que este algo novo que nunca nasceu tome corpo e que de vez exista para que o velho presidente engravatado com a alma vendida ao diabo possa olhar nos olhos dessa nova verdade e não temer que seja destronado, mas que caia no chão morto com o peso da vergonha de ter feito o que já fez e de ter sido quem se foi. E que dessa morte surja algo bom no lugar. Quem sabe a própria alma do opressor da vida alheia não tenha deixado guardado em algum lugar algo que mereça renascer como algo bom. Não sei. Mas quem sabe? 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Café sem açucar e um casal de lésbicas

Existe uma história que o Zizek gosta de contar nas suas palestras e livros que é mais ou menos assim: "Certa vez um homem veio a uma cafeteria e pediu para o garçom um café sem açúcar. Meio sem jeito o garçom respondeu. Desculpe senhor, mas hoje não temos açúcar, posso oferecer-lhe um café sem leite?" Essa é uma das histórias que o Zizek conta pra tentar ilustrar alguma coisa sobre a psicologia humana, sobre o comportamento humano. No caso dessa história, por exemplo, ele tenta evocar alguma coisa que o Lacan disse sobre o fato de que aquilo que você obtém não ser constituído apenas pelo que você de fato obtém, mas também por aquilo que está ausente na presença do objeto obtido. A questão aqui é que, ao contrário de algumas outras histórias que o Zizek conta, essa especificamente eu achei um pouco difícil de imediatamente associar a alguma coisa mais diretamente compreensível. Bom, eu sei lá, eu nunca li nada do Lacan, o que talvez ajudasse nesse caso. Mas mesmo assim. Enfim, a questão ficou resolvida só algum tempo depois quando eu estava lendo uma reportagem sobre um protesto que tava tendo na frança a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Bom nessa reportagem o jornalista tinha entrevistado uma menina que estava lá com a namorada e o que a menina tinha dito era mais ou menos assim: "Eu sou fundamentalmente contra a instituição casamento pois acredito no amor livre como a única forma de amor. Obviamente nós não casaremos mesmo que a lei passe a permitir isso. Porém, para mim é importantíssimo e estou aqui lutando para que a lei aceite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois eu gostaria de não me casar por opção e não por impossibilidade." Então, eu sei lá se o que o Zizek quis dizer foi algo desse tipo, mas essa fala dessa menina descreveu perfeitamente a situação para mim. A coisa em si que ela teria nos dois casos é a mesma. Um não casamento. Mas não importa apenas isso. A condição na qual está situada o não casamento, mesmo que não altere ele em si, muda efetivamente o que significa o não-casar. Enfim, é mais ou menos isso. Uma outra coisa parecida é por exemplo quando se fala em amor livre, ou poliamor que tem sido o termo mais usado hoje em dia. Por exemplo, existe gente que defende o poliamor mas que mesmo assim acaba vivendo em uma relação monogâmica, o que não é nenhuma contradição. É o simples fato de ver que ter uma relação monogâmica estritamente por que é isso que realmente se quer, não é o mesmo do que ter uma relação monogâmica por imposição de uma moral dos bons costumes. Definitivamente não é o mesmo. 

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Zizek e o comunismo

Então, comunismo é um negócio que dá um trabalhão falar alguma coisa sobre ele. Por causa das experiências comunistas mesmo. Deram um problemão. Mas é um dos temas que me interessam muito. O que dá pra ser salvo dali? E como formular o que deu errado de maneira correta sem cair nesses lugares comuns? Bom, nem sempre lugares comuns são ruins, mas em alguns casos eles escondem violências, inconsciências e deturpações piores do que as quais eles querem combater. O problema não é simples. Nem um pouco. Mas enfim, estou pensando em escrever algumas coisas sobre isso daqui pra frente. Na verdade eu quero escrever sobre outras coisas também. Sobre espíritos e sobre o mundo espiritual. Nada a ver, né? Mas enfim, são duas coisas que me interessam mesmo que a principio não pareçam estar tão ligadas assim. Mas não faz diferença. Enfim, só pra exemplificar, um dos pensadores que foi um dos únicos que conseguiu me dar uma visão que eu gostei do comunismo foi o Zizek. Slavoj Zizek. É um esloveno que escreve um montão de livros por aí, sobre diversas coisas. Psicanalise, filosofia, cinema, comunismo, política e por aí vai. Ele é formado em psicologia e em filosofia. E acho que tem doutorado em filosofia se não me engano. Eu gosto muito dele. Mas enfim, vou deixar aqui a tradução de um pedaço de uma das falas dele que eu vi esses dias e que gostei bastante. Só pra compartilhar mesmo. Lá vai:

"Talvez devêssemos estar cansados dessa mobilização capitalista total. Você sabe que você tem que ser ativo o tempo todo, e assim por diante. Talvez esta seja a causa última, uma das causas da nossa crise - o nosso próprio dinamismo. Como a única maneira de sobreviver é se revolucionar o tempo todo e assim por diante. Eu acho que se você olhar para as civilizações passadas, os verdadeiros grandes homens passaram sobre essa obsessão: sempre auto-revolucionar-se. Para mim, eles eram uma coisa, eu não diria que boa, mas satisfatoriamente utópica em um bom sentido. Nesta ideia: "Meu Deus, não vivemos nesta terra para trabalhar duro e apenas fazê-lo cada vez melhor. Nós apenas deveríamos pegar leve um pouco." E você sabe, lamento dizer-lhe, isto é claramente parte do meu conceito de comunismo."

Bom isso nem é parte central do pensamento do Zizek. É uma coisa bem periférica pra ser sincero. Mas é que que simplesmente eu vi e achei legal. Então resolvi colocar aqui. Tudo bem?

Até

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Onde fica a direita?

Estava aqui pensando um pouco sobre possíveis consequências de uma possível eleição da Marina para presidência da república, e acabei me deparando com um cenário que eu nunca havia examinado. Bom, na verdade só pra me situar rapidamente eu sou, dentro de alguns limites, bem de esquerda, variando as vezes entre e anarquismo e o comunismo, mas sendo muitas vezes também um pouco contraditório com os dois. Enfim, deixa pra lá, o importante aqui é que em termos de política brasileira eu tendo normalmente a votar por partidos bem de esquerda como o PSOL ou o PSTU, isso quando eu não anulo o voto. Acabo votando em partidos como o PT quase exclusivamente só quando tem segundo turno mesmo. Pois por mais que tenha muita coisa no PT que me desanima, eu obviamente ainda considero e admito que exista uma distância enorme entre eles e partidos por exemplo como o PSDB, que por sinal eu considero a escória da humanidade e a representação mais baixa de onde pode chegar o ser humano (tá bom isso é muito exagero, é claro que dá pra ir bem mais baixo do que isso, mas enfim). Bom, mas pra que eu to falando disso? A questão é que durante esses 12 anos de governo do PT eu acabei de certa forma ficando um pouco que forçadamente afastado do debate político. Mas porquê? O que aconteceu é que sendo sincero com o que eu acredito, eu não podia de maneira nenhuma apoiar certas coisas do PT, principalmente essa politicagem chata de ficar apoiando e recebendo apoio de gente que sempre criticou, essa troca de favores com outros partidos fornecendo ministérios, a questão de beneficiar certas empreiteiras e fazer esse joguinho neoliberal com eles, emfim, basicamente por manter um montão da estrutura política, que levou e sempre leva inevitavelmente à corrupção, e também muito da lógica neoliberal de submissão a certas empresas e bancos. Tipo, eu até entendo eles fazerem certas concessões para parecerem mais legais para poder chegar e se manter no poder, mas eu também me dou todo o direito de não compactuar com isso. Mas enfim, porque então eu não simplesmente virei oposição e pronto? Essa é a questão fundamental que me faz pensar o que será do cenário político do país com a Marina no poder. Bom, o que aconteceu foi que no fim das contas eu nunca consegui fazer oposição direito ao PT. Não dava por um simples motivo. Se o meu grito ajudasse a enfraquecer o PT, certamente a voz que surgiria para ocupar o lugar deles, não seria a minha, seria a da direita. Se por um acaso o Lula caísse e o PT saísse, quem viria seria quase que inevitavelmente alguém da linha do PSDB, um Serra, Alckmin ou sei lá, algo do tipo. E isso eu não queria por nada nesse mundo. Pois por mais que eu tivesse as minhas broncas com o PT eu claramente via e apoiava muitos avanços do seu governo, como programas como o Bolsa família, as políticas de cotas, as lutas dos LGBTs (mesmo que devagar e parcialmente), política externa mais amigável com vizinhos e menos submissas a certas "super-potências", que levaram a conquistas sociais, como queda do desemprego, e diminuição da miséria como nunca houve, que neoliberais não só não conseguiriam fazer como escutando atentamente a qualquer discurso de um deles se percebe que no fundo nem gostariam de verdade que acontecesse. Enfim, por essas coisas acabei durante esses 12 anos não só não fazendo a oposição que eu gostaria de ter feito, como por muitas vezes acabei inclusive indo pro lado deles para defender o que era correto de ataques injustos vindos da direita. Foi um pouco estranho pois o próprio resultado de defender o PT contra a direita, de certa forma diminuiu e muito a força do meu discurso de esquerda, pois como a batalha política estava se dando acabou acontecendo que simplesmente eu não consegui achar nenhum lugar para situá-lo. Eu não podia usá-lo como oposição, tipo, oposição ideológica é claro que dava, e sempre deu, mas na hora de levar isso a um ativismo mais prático não dava mesmo pelo medo de fortalecer o discurso da direita. E também não cabia esse meu discurso na defesa do PT pois os dois eram por muitas vezes incompatíveis. Emfim, fiquei mais ou menos sem lugar na política. E isso dá pra ver não apenas comigo, pois na primeira eleição presidencial que o PSOL participou a Heloísa Helena teve quase uns 7% dos votos, e depois disso o PSOL só vem caindo. O Plínio teve pouco mais de 1% se não me engano e agora a Luciana Genro não chega nem a isso. Sendo que não houve nenhum aumente de votos para outros partidos também de esquerda como o PSTU ou o PCO. Ou seja, a esquerda ficou mesmo sem lugar. Sem muita esperança de realmente realizar um pouco de suas idéias. Mas então, e a Marina? Bom, no caso da Marina de certa forma eu sinto que poderei voltar ao cenário político. Pelo simples fato de que eu sei que se ela cair e sair fora depois, muito adoravelmente quem volta é o PT ou algo do tipo. Então dá pra ser oposição sem medo. Numa boa. E quem sabe com isso a esquerda não cresça um pouquinho outra vez? Enfim sei lá. Não dá pra prever esse tipo de coisa eu acho. Mas enfim, a questão interessante mesmo é pensar aqui o que será da direita durante o governo da Marina. O engraçado é que se a Marina ganhar, ela ganhará basicamente por esse discurso do "anti-petismo" (cara, eu odeio a palavra petismo, serio mesmo, que merda é essa, petismo?), esse discurso do vamos tirar o PT do poder. Mas essa é justamente a questão. A Marina por mais que ela seja uma aberração política, tentando combinar direita com esquerda e achando que está sendo super moderna ao fazer isso, ela claramente vai manter algumas coisas na área social como bolsa família e ela não é exatamente o que uma pessoa de direita acredita ser correto. Ela tem suas semelhanças mas está longe de ser um Aécio Neves da vida. O que eu vejo aqui que vai acontecer é que se ela for eleita quem ficará sem lugar nenhum na política será justamente a direita. É, a direita mesmo. Porque olha bem. Se eles fizerem oposição a Marina, cara na boa, quem volta é o Lula, ou alguém do tipo. O PSDB tá sem força nenhuma. Não vai pela primeira vez em décadas nem ir para o segundo turno. Tipo, como eles ficarão em relação a Marina? Eles não terão lugar nenhum pra ficar. Será igual eu e a esquerda em relação ao PT. Certamente oposição clara eles se darão conta que não poderão fazer, pois se ela cair, eles sabem que quem voltará será o PT. E também não poderão ser posição propriamente dito pois, farão o que, vão apoiar o bolsa família agora? A política de cotas? Enfim, é ver pra crer. Mas acho que finalmente a direita vai perder a sua capacidade inclusive de se formular como direita. Vai ser forçadamente excluída do debate político por si mesma e pela sua insistência cega em ser anti-PT à qualquer custo. Eles estão achando que estão dando uma cartada de mestre ao tirar a Dilma do poder, mas no fim acho que estão dando um tiro não no próprio pé, mas um tiro na própria cabeça. Sei lá, quero ver o que vai acontecer. Se eles vão criticar a Marina e ajudar o PT a voltar ou se pra defendê-la irão apoiar programas do PT que sempre criticaram. Se isso é bom ou ruim, sinceramente não sei. É claro que ver a direita sem poder político por um lado é uma coisa boa, mas por outro que tipo de radicalização pode surgir de uma direita impotente e ressentida vai saber. Bom, vamos ver. Agora é dar tempo ao tempo pra ver o que passa.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Ouro não é como a prata porque a prata...

Lembro de uma vez a uns 10 anos um professor de química que eu tive que na primeira aula do curso começou a contar um caso para exemplificar para os alunos como não responder as questões da suas provas. Ele contou que uma vez ele havia colocado na prova uma questão do tipo "Discuta em 10 linhas tudo o que você sabe a respeito do ouro". E um dos alunos que não sabia muita coisa sobre o ouro, mas que por acaso sabia bem mais sobre a prata respondeu a questão da seguinte forma: "O ouro não é como a prata, pois a prata é assim, assim, e assim..." E assim se foram 10 linhas com explicações sobre a prata. Enfim, provavelmente a história que ele contou nem era verdadeira, ele obviamente fez isso apenas para exemplificar o que queria. Bom, mas porque estou aqui contando isso? A questão é que estamos em período eleitoral para escolher o próximo presidente aqui do Brasil que ficará lá pelo menos durante 4 anos, e uma das coisas que eu tenho notado é que dessa vez mais do que nunca, o debate tem acontecido exatamente como esse caso que o meu professor de química havia contado a 10 anos. Há inclusive colunistas de certas revistas que abertamente declaram que vão votar em tal candidata (nesse caso o nome dela é Marina), simplesmente porque ela não é como a outra candidata (nesse caso o nome dela é Dilma), pois a Dilma é isso, isso e aquilo. Tipo, isso sempre mais ou menos aconteceu, só que dessa vez isso tomou proporções bem maiores do que antes. Votam em massa na Marina, pois ela não é a Dilma e a Dilma é assim, assim e assim. Bom, mas porque estou falando isso aqui. É claro que cada um vota em quem quiser e pela razão que quiser. E a Marina é capaz até mesmo de ganhar a eleição. O que me incomoda um pouco é simplesmente que a nossa democracia tenha chegado a esse ponto. Alguém ganha a eleição por ser um não-outro, só que essa pessoa governará não como sendo uma não-Dilma, mas sim como sendo a Marina. Uma presidente que provavelmente ninguém quer por ser quem ela é, mas sim por quem ela não é. Sei lá, eu acho isso bizarro. Eleger e ser governado por alguém que ninguém no fundo quer. Vai lá, é claro que as pessoas tem o direito de votar assim e escolher assim, mas me preocupa um pouco que a gente tenha chegado a essa situação. Sei lá, nem sei direito se tenho solução pra isso, ou um modelo melhor de democracia. Mas isso aqui virou uma maluquice só. Acho que vale a pena dar um passo atrás um pouco, pra pensar melhor sobre realmente qual é a democracia que a gente quer. Ou então pra entender melhor o que realmente está acontecendo.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Epílogo de além do bem e do mal do Nietzsche

DO ALTO DOS MONTES

Oh! Meio dia da vida! Época solene!
Oh! jardim de estio!
Beatitude inquieta da ansiedade na espera:
espero meus amigos, noite e dia,
onde estais, amigos meus?
Vinde! É tempo, é tempo!

Não é por vós que o gelo cinzento
hoje se adorna com rosas?
A vós procura o rio,
suspensos nos céus ventos e nuvens se alevantam
para observar vossa chegada.
competindo com o mais sublime vôo dos pássaros.

No meu santuário coloquei a mesa:
Quem vive mais próximo das estrelas
e das horríveis profundezas do abismo?
Que reino mais extenso que o meu?
E do mel, daquele que é meu, que sentiu seu fino aroma?

Aqui estais, finalmente, meus amigos!
Ai! não é a mim que procuras?
Hesitais, mostrais surpresa?
Insultai-me é melhor! Eu não sou mais eu?
Mudei de mão, de rosto, de andar?
O que eu era, amigos, acaso não mais sou?

Tornei-me, talvez, outro?
Estranho a mim mesmo? De mim mesmo, fugido?
Lutador que muitas vezes venceu a si mesmo?
Que muitas vezes lutou contra a própria força,
ferido, paralisado pelas vitórias contra si mesmo?

Porventura não procurei os mais ásperos ventos e aprendi a
viver onde ninguém habita,
nos desertos onde impera o urso polar?
Não esqueci a Deus e ao homem, blasfêmias e orações?
Tornei-me um fantasma das geleiras.

Oh! meus velhos amigos, vossos rostos
empalidecem de imediato,
transtornados de ternura e espanto!
Andai, sem rancor! Não podeis demorar aqui!
Não é para vós este país de geleiras e rochas!
Aqui é preciso ser caçador e antílope!

Converti-me em caçador cruel. Vede meu arco:
a tensão de sua corda!
Apenas o mais forte poderá arremessar tal dardo.
Mas não há nenhuma seta mortal copo esta.
Afastai-vos, se tendes amor à vossa vida!

Fugis de mim!? Oh, coração, quanto sofreste!
E entretanto, tua esperança ainda se mantém firme!
Abre tuas portas a novos amigos,
renuncia aos antigos e às lembranças!
Fostes jovem? — Pois agora és mais e com mais brio.

Quem pode decifrar os signos apagados,
do laço que une com uma mesma esperança?
Signos que em outros tempos escreveu o amor,
que luzem como velho pergaminho queimado
que se teme tocar, como ele. queimado e enegrecido!

Basta de amigos! Como chamá-los?
Fantasmas de amigos! Que de noite,
tentam ainda meu coração e minha janela
e me olham sussurrando:
"Somos nós"!
Oh! Ressequidas palavras, um dia fragrantes como rosas!
Sonhos juvenis tão cheios de ilusão,
aos quais buscava no impulso de minh’alma,
agora os vejo envelhecidos!
Apenas os que sabem mudar são os de minha linhagem.

Oh! Meio dia da vida! Oh! segunda juventude!
Oh! jardim de estio!
Beatitude inquieta na ansiedade da espera!
Os amigos esperam, dia e noite, os novos amigos.
Vinde! É tempo! É tempo!

O hino antigo cessou de soar,
O doce grito do desejo expira em meus lábios.
Na hora fatídica apareceu um encantador,
o amigo do pleno meio-dia.
Não, não me pergunteis quem é:
ao meio-dia, o que era um,
dividiu-se em dois.

Celebremos, seguros de uma mesma vitória,
a festa das festas!
Zaratustra está ali, o amigo,
o hóspede dos hóspedes!
O mundo ri, o odioso véu cai,
E eis que a luz se casa com a misteriosa,
subjugadora Noite.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O desejo de sonhar e o representante da realidade

Continuando a série vozes conflitantes dentro de mim, eis aqui outras duas que não conseguem se reconciliar de jeito nenhum. O desejo de sonhar e o representante da realidade:

Certo dia em baixo de uma arvore estava sentado um menino que se chamava o desejo de sonhar. Era uma arvore grande que ficava do lado de fora das muralhas que cercavam a cidade onde viviam os homens grandes. A sombra dessa árvore era o seu lugar preferido. O barulho e a correria do mundo normal ficavam la dentro protegidas pelas muralhas da cidade. O engraçado era que o desejo de sonhar só se sentia protegido do lado de fora das muralhas, e nunca do lado de dentro. Lá ele se sentida morto, esmagado, sufocado. Sufocado por uma especie de vida que lhe era completamente alheia mas que era imposta por todos e martelada em sua cabeça sem a menor piedade. Então o desejo de sonhar vinha constantemente para a sua arvore querida que sempre lhe oferecia sombra e frutos sem lhe pedir nada em troca. Era o seu lugar no mundo. Se sentia bem ali. Porém nesse dia alguém apareceu para conversar com ele. Era um homem alto. De terno e gravata. Um profissional. Ele estava vindo de dentro da muralha para dizer algo ao desejo de sonhar que logo que o viu começou a morrer de medo. Pois pensava. Será que até aqui do lado de fora eles não me deixaram em paz? E eis que homem alto chegou mais perto, e assim foi a conversa entre os dois:

RR - Olá, eu sou o representante da realidade. Por acaso é você que é o desejo de sonhar?
DS - Sim, sou eu? O que você quer aqui?
RR - Eu quero ajudá-lo a se adaptar a vida em sociedade.
DS - Não, obrigado!
RR - Mas você não tem escolha. Você tem que viver em sociedade, senão morrerá!
DS - Prefiro a morte então. Suma daqui!
RR - Mas você é teimoso hein moleque. Que que há de errado com você? Lá dentro das muralhas exitem milhares de pessoas que todos os dias levam a vida do jeito que se espera deles. Porque você simplesmente não pode fazer o mesmo? Você é especial por acaso?
DS - Eu simplesmente não quero. Aquele tipo de vida não serve pra mim. Eu não quero uma vida sem sentido. Acordar, trabalhar, comprar, voltar a casa para ver televisão e dormir? Não, obrigado. Se não querer se sujeitar a isso é ser especial, então sim, eu sou. Agora me deixe em paz!
RR - Moleque presunçoso! Você fica aí sem fazer nada em baixo dessa árvore sem produzir nada. Imagine se os outros decidissem fazer o mesmo? Quem iria produzir comida, roupa, materiais? É preciso trabalhar, seu preguiçoso maldito.
DS - Preguiçoso maldito? Você já olhou para si mesmo? para sua alma? Você não trabalha e trabalha apenas como um meio de fugir de quem você é? Por preguiça de tirar algum tempo para tentar entender e descobrir quem você é o que você realmente quer da vida? Você é o ápice da preguiça. Da fuga. Do medo. Você veste esse terno maldito e usa esse nome trabalho para esmagar aos outros. Para deixá-los completamente alienados de si mesmo, assim como você é. Por isso você tem medo de mim. Eu ousei olhar pra mim. Olhar para a minha alma. Ver que eu tenho alma que pede desesperadamente socorro. Você é tão fingido que não tem nem mesmo coragem de vir aqui e me dizer que você aqui veio para tentar me destruir e não para me ajudar. Vá embora, demônio!
RR - Mas precisa ser tão cruel assim?
DS - Cruel? Você escraviza e destrói a alma de todos aqueles a quem você toca. E você vem dizer que eu sou cruel? Sim, sou cruelíssimo. E a verdade é que quero ver você morto. Suma daqui!
RR - Desculpe. Não sabia que isso te machucava tanto.
DS - Machucar? Machucar? Eu fui é torturado toda minha vida lá dentro. Rejeitado, esculachado. Eu sofria desesperadamente e não me davam nem mesmo o direito a sonhar. Nem isso. Você entende o que significa não poder viver nem mesmo minimamente exatamente a essência daquilo que você é?
RR - Desculpe. Eu nunca havia visto a coisa nesse sentido.
DS (com lágrimas nos olhos) - Saí daqui, e me deixe só, como eu sempre fui.
RR - Desculpe, sinceramente nunca havia pensado no seu lado. Nunca havia percebido que em você existia um ser humano também. E pra ser sincero um ser humano mais humano do que eu. Gostaria de me redimir do que sempre fiz a você. Gostaria realmente de te dar algo. Mas não sei o que posso te dar. Não sei o que eu tenho que você gostaria de ter.
DS - Eu só queria é ser aceito como eu sou. Eu sinto falta da sociedade. Da minha cama do meu quarto. Eu gostaria mesmo é de viver lá como eu vivo aqui. Simplesmente sendo eu mesmo. Assim inclusive não me importaria com as pessoas que simplesmente acordam, trabalham, compram, voltam para casa para ver televisão e dormem.
RR - Eu não posso garantir pelos outros meu caro amigo. Eu represento a realidade e eles são reais. Muito reais. E também humanos, mesmo que não apreça assim aos seus olhos. Mas te garanto que farei o melhor que posso para que você encontre o seu lugar. Onde quer que ele seja.
DS - Há bondade em você. Nunca havia visto isso.
RR - É porque até hoje eu mesmo não sabia disso. Mas você me inspirou meu caro amigo. Você tocou algo em mim. E eu estou grato a ti.
DS - Eu aprendi algo com você. Vejo que as pessoas lá de dentro também são humanas. E elas sofrem. Sofrem quietas, sem nem mesmo perceber isso. Por sofrerem tanto, perdem a capacidade de sonhar, e por isso se tornam violentas com quem tenta sair desse ciclo. Se eu pudesse ao menos levar esperança a eles ao invés de simplesmente tenar matá-los assim como eles fizeram comigo...
RR - E eu confio em ti meu caro amigo. Vejo ódio, raiva e dor em ti. Muito justo. Eu entendo. Mas vejo também que não é isso que você quer trazer de volta para a cidade. Você quer transformar isso em algo diferente. Em algo doce. Meigo. Suave. Humano. E por isso você veio aqui pro lado de fora da muralha. No fundo foi para transformar essa energia que está em ti. Para encontrar essa leveza perdida que está embaralhada em sua alma. No fundo você fez isso não por ódio a cidade e às pessoas que lá vivem, mas sim por amor à elas.

E de repente as lágrimas do desejo de sonhar que antes eram de dor, agora começaram a ser de esperança e aceitação. Era um choro bonito e libertador. O representante da realidade nunca havia visto um choro daqueles. E era real. O amor naquele menino era real, apesar de tudo que ele sofreu e de todas as feridas que haviam em sua alma. Assim os dois se abraçaram. Choraram juntos. Deram adeus um ao outro. E cada um voltou ao seu lugar. Um para a cidade e o outro debaixo da árvore. Mas agora já não se odiavam mais. Eram amigos. Se respeitavam, e por isso entenderam que ainda não era hora de morarem juntos. Mas que esse dia chegaria. Pelo menos assim os dois agora desejavam.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O anarquista e o existencialista


Em algum lugar no mundo da minha imaginação viviam duas personalidades que não gostavam muito uma da outra. Eu gostava muito das duas, mas elas por nada nesse mundo conseguiam se aceitar e viver juntas. Então foi que decidi fazer eu mesmo um encontro entre elas aqui nessa folha de papel para ver no que que dava. E assim foi.

A - Ah, você outra vez por aqui seu conservador maldito. Não consigo mudar nada nesse lugar por sua causa. Você sempre vem com o seu blá blá blá chato querendo me mostrar o porque de minha insatisfação. Me deixe em paz, seu louco.

E - E a culpa é minha de você ser tão cego de si mesmo? Eu estou aqui querendo o seu bem. Querendo a sua iluminação. Por isso chamo atenção sempre pra dentro de você. Você quer mudar o mundo pois está insatisfeito consigo mesmo.

A - Louco! Você me esmaga. Eu sei que não sou um ser perfeito, um iluminado. Que tenho neuroses, que sou fraco. Mas caramba! Você não me ajuda nada mantendo vivas do lado de fora toda essa sujeira. Há que derrubar esse estado com essas leis inflexivéis que não vieram de nenhum de nós. Enxergue você seu maníaco o que está a seu redor. Pare de justificar o injustificável. Chega de tirania por aqui. Vamos ser livres!

E - Mas livre de que? Vá lá, mate o rei. E depois? Quem você eligirá no lugar dele para simbolizar o tirano dentro de você.

A - Me deixe em paz alma diabólica. Quero matar o rei e qualquer um que tome o seu lugar. Não nego que possa haver um tirano escondido dentro de mim. Mas sei que se há algum, também quero matá-lo. Em qualquer lugar que houver um tirano, alguém se opondo a minha liberdade, hei de lutar contra ele.

E - Mate-o dentro de si que ele desaparecerá do lado de fora. Ele estará lá, mas você não o notará e ele não terá efeito nenhum em você.

A - Vem cá, você é Deus agora? De onde você tira essas ideias? Quem disse que ele morrerá se eu matá-lo dentro de mim? E porque não simplesmente matá-lo do lado de fora e vê-lo morrer dentro?

E - Menino, eu observo o mundo, eu observo as pessoas. Eu entendo de sua frustração, de sua sede de liberdade. Mas ela não será satisfeita apenas mudando o lado de fora.

A - Você não respondeu as minhas perguntas. Não estou dizendo que encontrarei a iluminação matando o rei do lado de fora. Só estou dizendo que sem ele destroçando a vida de todos nós, nós poderíamos viver uma vida com muito mais liberdade, amor e alegria. Não nego a importância da mudança interior. Apenas digo que prefiro fazer minha revolução do lado de dentro vivendo um outro tipo de vida. Inclusive não acha você que ao destronarmos o rei seremos muito mais livres, inclusive para nos mudarmos?

E - Confesso que você não é tão imaturo quanto eu te julgava.

A - Você consegue escutar esse coração que pulsa dentro de mim. Você escuta isso?

E - Confesso que não entendo muito sobre o coração.

A - O que houve com você?

E - Eu não sei amar. Eu não consigo amar.

A - Há alma dentro de você caro amigo de outro mundo. Eu sinto sua alma.

E - O que você quer dizer com isso?

A - Você sofre por ter perdido o coração. E por isso você quer impedir a todo o tempo que as pessoas façam suas revoluções. Pois elas fazem isso por amor, e você faz a sua busca interior por falta de amor. Você está apenas em busca de seu coração. Quando se tem coração, a mudança vem por si só em todos os lados. Dentro e fora.

E - Você fala bonito meu jovem valente. Mas porque você disse que eu tenho alma.

A - Não sei. Eu não entendo bem essas coisas. Meu coração bate forte dentro de mim, porém existe uma leveza que sinto em você que ainda não encontrei. Essa sua leveza eu chamo de alma. Acho que talvez isso falte em mim.

E - Caro amigo, eu entendo o que você fala. Eu sinto o que você fala. Sinto o seu amor. Eu o julguei estúpido por sua juventude e espontaneidade. Mas agora vejo que isso no fundo era apenas fruto de um coração belo e nobre. E que estúpidos sempre foram os meus julgamentos. Usava o discurso da reforma interior apenas para criar culpa em você. Não que ela não seja importante. Mas eu usava algo importante como ferramenta para criar culpa e apatia. Assim talvez você ficasse cabisbaixo, sem graça e sem vida assim como eu.

A - Não precisa fazer contigo o que você até agora fazia comigo, caro amigo. Nós estamos juntos nessas terras. E eu não quero fazer a minha revolução sem você. Você tem alma. Existe beleza em sua leveza. Levante essa cabeça, sábio camarada. Venha. Faremos juntos a nossa festa. Existem outros que estão a nossa espera.

E - Festa? Tenho eu o direito de celebrar alguma coisa? Eu não faço nada além de colocar dúvidas na cabeça dos outros, além de faze-los desistirem de seus sonhos.

A - Não, meu caro poeta. Há muito em você que você ainda não conhece. Houve muita confusão dentro de você. E ainda há. Mas como eu disse, eu sinto uma alma boa dentro de você. Eu sou jovem. Tenho força e vigor. E por isso a minha bondade vem ao mundo por esses caminhos. Mas no seu caso é diferente. A sua bondade vem por outros meios. E ela está vindo. Ela sempre veio. Eu não sei bem explicar pois no fundo também não entendo. Ainda sou jovem demais para entender o que vejo em você. Mas agora que vejo isso, não posso deixá-lo simplesmente por aí. Você não será apenas um convidado camarada para nossa festa. Mas sim um convidado de honra. Há muito em você que todos nós precisamos descobrir ainda. Precisamos de você.

E - Eu gosto muito de você meu caro amigo. Desculpe por tê-lo atrapalhado por tanto tempo.

A - Não precisa disso velho amigo. Quem sabe no fundo não havia também uma razão para isso tudo. Ou mesmo que não houvesse. Hoje o dia é outro. Eu sou outro e você é outro.

E - E contra o que lutaremos?

A - Lutaremos pelo amor e pela liberdade. Por um mundo mais humano. Apenas sonhamos em ser humanos.

E - E como faremos isso?

A - Juntos!

Foi quando um grande sorriso surgiu no rosto do existencialista. Ele passava tardes e tardes em suas meditações tentando chegar ao centro de si mesmo. Buscava a sabedoria de si mesmo. Mas até aquele dia ele não havia sorrido nenhuma vez fazendo isso. Ao ver um jovem de coração bom que chegou perto dele ele pôde também encontrar um pouco de amor dentro de si. E assim percebeu que sentir amor é uma mudança existencial muito grande. Ele havia sido finalmente aceito por alguém. Ele havia sido aceito como ele é. E isso também muda tudo. Você pensa então que ele se arrependeu de suas meditações? Claro que não. Havia muita bagunça em sua alma anteriormente. Ele pode até nem ter percebido direito o que aconteceu. Mas foram suas meditações sobre si e sobre a vida que abriram espaço para que o amor surgisse novamente. O seu coração ainda não está completamente de volta. Mas já está voltando. Está a caminho. E sua alma cresceu. Sua bondade em breve será não apenas na emoção, mas será também existencial. E o anarquista? Ele aprenderá muito ainda com o sábio mestre que acaba de chegar. E em algum lugar de seu coração ele já sabe disso. Uma grade amizade está a caminho. Ainda é muito cedo para ver os frutos que virão. Mas a amizade está a caminho. E o tempo mostrará o que está para vir. E quer saber? No fundo eu gosto muito da história dos dois. São dois jovens caminhando para um lugar que não sabem qual é. Mas caminham pois seguem seus corações e suas almas. E ainda quero com os dois muito aprender. E também desfrutar de suas companhias e de suas viagens. 


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Saindo do armário

Tudo bem vou ter que confessar. A partir de hoje meu blog vai começar a ser mais sincero comigo. Ta bom. La vai. O que aconteceu é que de uns 4 anos pra cá eu comecei a me envolver muito com coisas espirituais, com misticismo e coisas do tipo. Era uma vontade que eu tinha que eu não podia mais negar. Vinha do fundo da alma e eu decidi dar vazão aquilo na minha vida. No início eu comecei apenas lendo. Livros espíritas, budistas, taoistas. Sempre fui completamente apaixonado pelas filosofias orientais. O buda, fala sério, que cara bacana. Aquele foi demais. Mas enfim, apenas ler não me satisfazia, então comecei a praticar mediunidade. As vezes no centro espírita, mas principalmente por conta própria. Nada contra o espiritismo, mas é que eu nunca gostei de seguir o caminho dos outros, o que eu sempre gostei mesmo é de encontrar a minha própria maneira de fazer as coisas. Então comecei a fazer cursos sobre experiências fora do corpo, mais conhecidas como viagens astrais, comecei a praticar Reiki. E o principal, sempre muita meditação. Meditação pra mim sempre foi a base de tudo. Meditação era a única coisa que me trazia paz e serenidade, pois as outras coisas pra ser sincero me trouxeram por vezes muitos problemas. Não que isso tenha sido um problema, pois eu não embarquei nessa estrada achando que seria tudo um mar de rosas. Eu fui de coração aberto pra ver onde eu iria parar. Aceitando o que quer que fosse que estivesse no caminho. E no fim você acaba até fazendo amigos entre aqueles que inicialmente te causam problemas. Ah sim, a parte mais louca de tudo, comecei durante as meditações a escutar vozes. Depois comecei a sentir a presença de espíritos. E assim foi até que eu comecei a me comunicar mesmo com alguns deles. A coisa ainda não é tão clara como uma comunicação normal entre duas pessoas, é um pouco diferente, é uma coisa mais telepática. Mas é bem diferente de conversar sozinho. Eu converso muito sozinho e sei bem como é isso. Não tem nada a ver. Mas enfim, comecei a me interessar por umbanda, e logo comecei a me comunicar com uns preto-velhos, e pra ser sincero, eles são demais. Gostei muito dos que eu tive contato. Depois foi a vez do xamanismo, e aí a festa começou. Minha maneira de ser espiritual se juntou com as forças da natureza e comecei a conversar com a energia das árvores, dos jardins, da terra, dos elementais, e juro que tive contato inclusive com fadas. Fadas mesmo, não eram espíritos comuns não. Eram serem dionisíacos de uma beleza e um encanto magnífico. Elementais do ar, elementais da terra, baleias encantadas, animais que são espíritos guias, é uma coisa de louco. Mas é uma coisa maravilhosa. Assim comecei a entrar em contato não só com a natureza natureza, mas também com a natureza das coisas. Tratei com energia do Reiki o espírito da minha casa, o espírito do sótão que fica encima do meu quarto. Converso frequentemente com o espírito guardião do jardim aqui de casa e agora inclusive acabei de conhecer o espírito da universidade onde eu estudo. E é uma mulher. Enfim, claro que nem tudo foram flores. Também revi e revivi vidas passadas. Traumas passados. Dores muito muito fortes. Espíritos que queriam me matar, gente que tava puta da vida com algumas coisas. E assim eu fui. Meditando sempre, cada vez mais sereno, liberando as energias que ficaram pra trás e seguindo em frente. Vi que quando se libera a energia de uma experiência traumática, imediatamente todos os envolvidos naquilo se libertam também. Depois de tanto tempo mexendo com essas energias, agora dá até pra fisicamente ver a energia se dissipando e indo embora. Enfim, são muitas coisas. E eu continuo indo e aprendendo e desaprendendo. É uma viagem que eu amo fazer. Tudo. Amigos e inimigos. Tudo. É um mundo fantástico. Dá um gosto diferente a própria vida. Hoje, por causa disso tudo inclusive me sinto muito mais perto das pessoas também. Eu sinto elas muito melhor. Sinto o coração delas. E por isso quando estou com alguém não perco tempo pensando sobre a pessoa, apenas sinto ela, e assim eu passo a sentir a vida também. A vida passa a não ser apenas uma coisa que passa, mas é uma coisa que acontece. É uma coisa com magia. Negra ou branca, mas com magia. Enfim, não há um fim nessa história. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente. Não faço nem ideia. Mas pra ser sincero, assim que é bom! Até a próxima. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Um canto a esperança

E tive que tirar uma folga dos meus escritos. Tive que parar de escrever por um tempo. Havia chegado o tempo de me livrar de algo que insistia em aparecer em tudo que eu escrevia. Em tudo que eu fazia também. Estava perdendo um pouco o jeito moleque de ser. Por estar virando adulto alguma força em mim começou a empurrar a criança lá pro fundo. E quando a criança se escondeu a esperança morreu. E com isso a dor começou a falar muito alto. Eu escrevia com dor. Queria me livrar dela e escrevia. Atacava os outros porque estava com medo. Eram muitas feridas, e tinha tanto medo de expô-las a mim mesmo que precisava atacar os outros. Pois não havia esperança. E dor sem esperança é insuportável. Mas foi então que tirei folga. Larguei o mundo, larguei os outros, parei tudo. Foi como ir para o Himalaia longe de tudo para meditar. Só que dessa vez o Himalaia era dentro de mim. E fui. Viajei. Lutei. Cai. Descansei. Me silenciei. Foi impressionante ver a quantidade de vozes que haviam dentro de mim se debatendo como loucas sem ter a menor ideia de que eram apenas "vozes dentro de mim". Cada uma se acreditava um universo inteiro em si mesma. Mas eram apenas "vozes dentro de mim" e nada além disso. Não que hoje eu esteja limpo de vozes. Ainda estou dentro do meu Himalia. Porém eu vejo com mais clareza. Vejo as vozes, vejo os medos, vejo o pavor, mas vejo que eles se ligam a mim mas não são eu. Se ligam pois ainda encontram eco em alguma das idéias que eu tenho. Mas inclusive as idéias, já comecei a ver que também não são minhas. Estão lá pois por algum motivo achei conveniente lá coloca-las. Mas nem elas fazem parte de mim. Mas o bonito mesmo dessa história toda é que cada dia que passa, cada meditação que acontece, cada pensamento que percebe que já é hora de ir embora, cada crença que entende que eu já não mais sou a sua casa, eu percebo mais claramente uma essência serena, amável e silenciosa surgindo do nada. Ela se confunde ainda no mar de vozes e personagens que ainda não se foram, mas eu a escuto as vezes. Eu sinto o seu gosto. A sua paz. É lá que eu quero chegar. Gostei do que vi e pra ser sincero não quero mais a vida sem isso. Algumas das vozes ainda me perseguem dizendo, você escolheu mal o caminho, você se dará mal, você será um fracassado na vida, e se continuar nesse caminho você morrerá infeliz e acabado. Mas quer saber? Prefiro morrer e fracassar buscando aquilo que meu coração me diz do que viver um sucesso baseado no medo e no abandono de mim mesmo. E foi então que me dei conta de uma coisa. A esperança estava de volta. E com isso percebi que agora as feridas já não machucam tanto. As dores já não doem tanto. A criança está mais uma vez renascendo. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Trecho de Vontade de potência de Nietzsche

  O homem bom, ou a hemiplegia da virtude - Para toda espécie de homem que permanece vigorosa e próxima a natureza, o amor e o ódio, a gratidão e a vingança, a bondade e a cólera, o fazer e o não fazer são inseparáveis.
    É-se bom com a condição de que se saiba ser mau; é-se mau porque de outra forma não se poderia ser bom. De onde, portanto, provém esse estado doentio, essa ideologia contra a natureza que nega esse caráter duplo, que ensina como virtude suprema possuir somente um semivalor? De onde provém essa hemiplegia da virtude, invenção do homem bom? Exige-se do homem que se castre daqueles instintos que lhe permitem fazer oposição, prejudicar, encolerizar-se, exigir vingança… A esta desnaturação corresponde a visão dualística de um ser puramente bom ou puramente mau (Deus, espírito, homem), resumindo, no primeiro, todas as forças intenções e condições positivas; no segundo, todas as negativas. Dessa forma, igual apreciação se julga “idealista”; não duvida que é em sua concepção do “bem” que ela fixou o escopo da suprema desejabilidade. Quando ela atinge seu ápice, imagina uma condição na qual todo mal será anulado e onde, na verdade, somente sobrarão os seres bons. Ela, portanto, não admite sequer como certo, nessa oposição, que o bem e o mal sejam condicionados um pelo outro; quer, ao contrário, que o mal desapareça e que o bem permaneça; um tem o direito de existir, o outro não deveria absolutamente existir… Em suma, quem é que deseja isso?
    Tem feito, em todos os tempos, e sobretudo nas épocas cristãs, o maior esforço para reduzir o homem a essa semiatividade que é o “bem”; também hoje, não faltam seres deformados e enfraquecidos pela igreja, para quem essa intenção é idêntica à “humanização” em geral, ou à “vontade de Deus”, ou ainda ”à salvação da alma”. Exigem, antes de tudo, que o homem não faça o mal, que, em nenhuma circunstância, prejudique ou tenha a intenção de prejudicar… Para isso surtir bom efeito, recomendam extirpar todas as possibilidades de inimizade, suprimir os instintos de ressentimento; recomendam a “paz da alma”, mal crônico.
    Esta tendência, que desenvolve um tipo particular de homem, parte de uma suposição absurda: considera o bem e o mal como realidades em contradição mútua (e não como valores complementares, o que corresponderia a realidade); ela aconselha tomar partido do bem, exige que o homem bom renuncie e resista ao mal até em suas mais profundas raízes – dessa forma, nega verdadeiramente a vida que homizia em todos os seus instintos a afirmação tão bem como a negação. 
    E, longe de compreender isso, sonha em retornar à unidade, à totalidade, à força da vida; ela imagina que é um estado de salvação quando finalmente a anarquia interior, as perturbações desses impulsos contrários conhecem seu término. Talvez não tenha existido, até o presente, ideologia mais perigosa, maior desatino inpsychologicis que essa vontade do bem: fizeram desenvolver o tipo mais repugnante, o homem que não é livre, o carola; ensinaram que é mister ser-se carola para se encontrar o verdadeiro caminho de Deus, que a vida do carola é a única que agrada a Deus…
    E ainda aí é que a vida tem razão, a vida que não sabe separar afirmação da negação: que adianta esforçar-se em declarar que a luta é má, em não querer prejudicar-se, em querer não fazer! Apesar de tudo se guerreia! Não se pode fazer de outra maneira! O homem bom que renunciou ao mal, infetado por essa hemiplegia do mal, como lhe parece desejável, não cessa absolutamente de combater, de ter inimigos, de dizer não, de não fazer. O cristão, por exemplo, detesta o pecado! E quanta coisa não chama ele de pecado? É precisamente por esta crença numa oposição moral entre o bem e o mal que o mundo está para ele cheio de coisas odiáveis a que cumpre combater eternamente. “O homem bom” vê-se como cercado pelo mal, aguça sua vista e acaba por descobrir traços do mal em tudo que faz; e é assim que termina, como é lógico, por considerar a natureza como má, o homem como corrompido, a bondade como um estado de graça (quer dizer, por humanamente impossível). Em resumo: nega a vida, concebe de modo que o bem, como valor superior, condena a vida…
    Dessa maneira, sua ideologia do bem e do mal deveria ser refutada por ele. Não se refuta, porém, uma doença… E é por isso que ele concebe uma outra vida!

sábado, 1 de outubro de 2011

Conto do livro Temporais de Khalil Gibran



Os dentes cariados

Havia na minha boca um dente cariado. Era um dente ardiloso e malvado: permanecia quieto o dia todo; e só começava a doer de noite, quando os dentistas estavam dormindo e as farmácias, fechadas.
Certo dia, perdi a paciência e procurei um dentista e lhe disse: "Livre-me, por favor, deste dente hipócrita."
O dentista objetou: "Seria tolice arrancar um dente que podemos tratar."
E começou a cavar e limpar e desinfetar. Quando o dente não tinha mais cárie, o dentista o obturou e declarou com orgulho: "Este dente está agora mais sólido do que os outros."
Acreditei nas suas palavras, enchi suas mãos de dinheiro e fui embora, satisfeito.
Mas uma semana depois, o maldito dente voltou a atormentar-me.
Procurei outro dentista, e disse-lhe: "Arranque este dente sem discutir. Pois sofrer é diferente de ver sofrer."
O dentista arrancou o dente. Foi uma hora terrível, mas benéfica. E, examinando o dente, disse: "Fez bem em arrancá-ló. A cárie já atingira as raízes. Não havia meio de recuperá-lo."
Dormi em paz naquela noite e em todas as noites seguintes.
Na boca deste ser que chamamos a Humanidade, há também dentes cariados. E a cárie já atingiu a raiz. Mas a Humanidade não os arranca. Prefere tratá-los e limpá-los e obturá-los com ouro brilhante.
Quantos dentistas estão ocupados em tratar os dentes da Humanidade! E quantos doentes se entregam a esses médicos; e sofrem e aguentam - para depois morrer.
E a nação que enfraquece e morre não ressuscita, para revelar suas doenças ao mundo e a ineficácia dos remédios sociais que a levaram ao túmulo.
Na boca das nações orientais, há também dentes cariados, sujos e nauseabundos. Nossos dentistas tentam obturá-los. Mas esses dentes não se curarão. É preciso arrancá-los. Pois a nação que tem dentes cariados tem o estômago debilitado.
Quem quiser ver os dentes cariados de uma nação oriental, visite suas escolas, onde os homens de amanhã decoram o que Al-Akfash disse, citando Sibauaih, e o que Sibauaih dissera, citando os cameleiros.
Ou visite os seus tribunais, onde a astúcia esvazia as leis.
Ou visite os palácios dos ricos, onde o esnobismo coabita com a hipocrisia.
Ou visite os casebres dos pobres, onde a ignorância gera o medo e a covardia.
Depois, visite os dentistas de dedos macios e aparelhos complicados. São eles que fundam as associações e reúnem os congressos e discursam nos conclaves e nas praças públicas.
Suas palavras são melodiosas e suaves. E se lhes dissermos: "Esta nação mastiga seus alimentos com dentes cariados e saliva envenenada. E disto resultarão doenças no seu estômago", eles respondem: "Sim, sim, estamos justamente estudando as drogas mais modernas e os medicamentos mais eficazes."
E se lhes perguntarmos: "E que achais da extração?", desatarão a rir do pobre indagador, que nunca estudou a nobre ciência da odontologia.
E se insistirmos, enfadam-se e afastam-se, dizendo: "Quantos ignorantes neste mundo! E como sua ignorância é incômoda!"

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Últimos sopros antes de mais um novo final

- Não vejo ninguém defendendo o conhecimento. Tudo o que vejo são pessoas defendendo a si mesmas enquanto conhecedoras.
- As pessoas insistem em continuar falando sobre passado e futuro. Porém confesso que não entendo, pois até hoje nunca consegui sair do presente.
- Bem aventurados os que choram foi o que disse o filho do homem. Porém, ainda mais bonito seria dizer "bem aventurados os que riem".
- O futuro é algo que você inventa apenas para ter uma desculpa para se julgar imperfeito no presente.
- O desejo em se julgar imperfeito no presente é as vezes tão grande que as pessoas passam até mesmo a glorificar passados que inclusive não gostavam quando estes eram presente. Glorificar o passado muitas vezes não passa puramente de desejo de julgar imperfeito o presente.
- Porquê você procura um critério para guiar a sua vida? Não é apenas para ter uma desculpa para alimentar o seu desejo de fazer julgamentos?
- Quando as pessoas dizem "Eu era feliz e não sabia", o que estão realmente dizendo é "Eu era infeliz e sabia".
- Lembre-se que sempre que você fala "mas infelizmente a vida é assim", o que você está realmente dizendo é "mas infelizmente a minha vida é assim".
- De que adianta se clamar "experiente"? Talvez toda a sua experiência tenha até hoje apenas te enganado. Nesse caso, a sua grande experiência apenas te ajudou a se tornar um grande idiota.
- Só se faz de vítima quem se sente culpado.
- É necessário ter força para ser bondoso e humilde.  O fraco, mesmo que tente, não consegue ser bom com autenticidade. Ele precisa receber e não dar. Doença não se deve compartilhar.  Porém, vale a pena ressaltar que não é sendo bom e humilde que nos tornamos fortes, mas sendo forte, que nos tornamos bons e humildes.
- O desejo de conquista surge não da força, mas da dúvida na própria força. Ele surge de uma vontade de mostrar a si mesmo que se é forte, de testar a própria força, de colocá-la a prova para que se possa ganhar confiança de que de fato se é forte. O forte que já tem pura consciência de sua própria força, esse não se torna um conquistador, esse se torna humilde. 

sábado, 27 de agosto de 2011

Outra vez a mesma gentinha!

Houve uma época em que os religiosos eram os únicos letrados, e faziam questão de justificar isso por alguma necessidade divina, mantendo assim o poder sobre aqueles que não sabiam ler e escrever. Hoje vemos isso como um absurdo, pois é claro que é bom que todos sejam alfabetizados.  Para nós hoje é muito claro que é importante que todos saibam ler e escrever para que assim sejam livres para ter a própria interpretação daquilo que leem. E também para que leiam aquilo que quiserem. Assim toda a vida se torna mais democrática e mais rica. Sabemos que aquela época era absurda e que aqueles poucos padres que tinham o poder escolher, filtrar e interpretar o que os outros tinham o direito de ouvir estavam na verdade cometendo um crime contra a humanidade, ajudando a torná-la fraca, doente e submissa. Agora pasmem! Eles estão de volta. Querem dessa vez o monopólio sobre a mediunidade e o contato com o mundo dos espíritos. Outra vez a mesma gentinha fazendo a mesma coisa. Querendo monopólio e exclusividade de algo que é natural e intrínseco a toda a existência humana. Querem ser donos de algo que deveria ser um direito inato de cada um para que possa ser usado de infinitas maneiras assim como são infinitas as diversidades humanas.
Ao se criar um manual de como se utilizar a mediunidade, se torna monótono, cinza, repetitivo, covarde, fraco, feio, aquilo que poderia e deveria ser alegre, colorido, diverso, poético, vivo. Se torna pobre algo que deveria ser rico. E essa desculpa de que estão os protegendo de coisas que não entendem já não cabe mais. Isso é papo de quem por ser muito baixo e mesquinho tenta intimidar os outros com medo de perder uma posição de prestígio em relação a algum conhecimento. Pois no fundo sabem que se os outros tiverem acesso a esse conhecimento, rapidamente eles o ultrapassarão, e assim a sua baixeza ficará novamente escancarada. Além disso, nem todos são fracos e covardes a ponto de terem medo de obsessores. Existem muitos que adoram uma boa batalha. E batalhando crescem e florescem. Quem já participou de muitas batalhas sabe como elas são importantes para nosso crescimento e amadurecimento. Só quem é muito fraco acha bonito fugir da luta quando ela aparece. A fraqueza, a covardia e o medo não deveriam ser ensinados como virtude sobre o falso nome de prudência.

Sobre a verdade, o saber, os espíritos e os homens.

- Se você usa a verdade para justificar uma fraqueza sua, então essa verdade para você é pior do que uma mentira. Uma mentira quando dita com sinceridade não faz tanto mal assim.
- Em uma luta entre o seu corpo e o seu espírito, independentemente de quem ganha, quem perde é você.
- Quem já sabe perde a capacidade de aprender. E me parece que capacidade de aprender faz muito mais bem do que o saber em si. Talvez por isso Sócrates tenha dito: "Só sei que nada sei". Ou em outras palavras: Ainda estou livre para aprender tudo.
- É engraçado mas me parece que o saber é sempre morto e que o aprender é sempre vivo. O saber me torna duro, defensivo, velho, feio, estático. O aprender me dá movimento, dança, alegria, beleza, juventude, sabedoria.
- Não é só porque você tem medo de obsessores que todas as outras pessoas também tem que ter. Nem todos são fracos, medrosos e covardes como você. Existem muitas pessoas que gostam de uma boa batalha, de uma boa aventura, de um bom desafio. Eles sabem que evitar as lutas é evitar a vida.
- Fugir de batalhas, fugir do sofrimento, fugir da solidão, fugir do desconhecido, fugir do medo, fugir do fracasso, fugir da derrota, fugir da morte, tudo isso tem um nome só. Fugir da vida.
- Eu não tenho problema nenhum com Deus. Eu só não gosto de escutar essa palavra quando ela vem da boca de alguém como você. O homem por trás da palavra as vezes é muito mais importante do que a palavra em si. Por isso é que de sua boca jamais sairá nenhum Deus autêntico. Se você quiser falar em Deus, então cuide para que você já o tenha encontrado pessoalmente, e não apenas lido o seu nome por aí nas páginas de algum dos seus livros sagrados.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Aforismos de uma época que chega ao fim

- Só tem interesse por vidas passadas quem perdeu interesse pela vida presente.
- Se você não é capaz de rir do que você faz, então é melhor não fazer.
- Muitos falam sobre os efeitos nocivos para a saúde do uso do álcool. Será que algum dia alguém terá coragem de falar sobre os efeitos nocivos para a saúde de se reprimir o desejo de se embriagar?
- Eu até entendo que você goste de lama. Porém não me peça para dar um nome bonito para algo que é feio. Lixo é lixo.
- Um jovem que procura levar uma vida de adulto não é alguém avançado no tempo. É apenas um covarde que não tem coragem de escutar os seus sonhos. Nada além disso.
- Não é a arte da psicografia apenas um remédio para aquele que não tem capacidade ou mesmo coragem de escrever sozinho?
- O corpo físico tem os seus instintos. Isso todos nós sabemos. Agora pasmem! O corpo pisiquico também tem os seus instintos. Os chamamos de sentimentos.
- E para o seu espanto eu digo ainda mais. O corpo mental também tem os seus instintos. Um deles é conhecido como inteligência. Sim! Inteligência não passa também de instinto.
- Somos o quê então afinal? Apenas um amontoado de instintos? Tenha calma, alma precipitada. Ainda nem chegamos na consciência.
- O fato da vida surgir através do ato sexual tem um simbolismo muito profundo. A energia sexual é a energia base que dá sustentação a quase todas as outras energias que fluem pelo corpo. Falta de fluidez no chacra sexual causada por algum tipo de estagnação na vida sexual leva o indivíduo necessariamente a algum tipo de perversão. Ou seja, nesse caso ele se torna um religioso, um filósofo, ou algo do tipo.
- Excesso de perguntas sobre o porquê da vida e coisas do tipo não passam apenas de consequências de algum tipo de estagnação da vida sexual.
- Só pensa sobre a vida quem tem medo de viver a vida.
- Uma vida sexual ativa e sadia apagaria pelo menos 90% de todas as questões religiosas e filosóficas. E estou quase para dizer o mesmo sobre a ciência. Afinal, ter tanto interesse em colidir partículas quase a velocidade da luz apenas para saber o que tem dentro do elétron, não é também um sintoma claro de falta de atividade sexual?
- Fé em Deus é apenas um sintoma da falta de fé em si mesmo.

domingo, 7 de agosto de 2011

O grito de vida

Ó vida minha querida. Agora chegou a sua hora. Agora chegou a nossa hora. Já chega dos anos de silêncio. Já não dá mais para guardar. Não, não dá mais. Ficou grande demais. Já não suporto. Preciso me livrar disso tudo. Preciso gritar tudo isso. Ó sábia vida, eu sei que você que é a dona do tempo. Você que é a dona do momento. Então como faremos? O que faremos? O que faremos hoje? O que escreverei aqui e agora minha querida amada? O quê? Um sopro do que significa viver? Um sopro? Sim, um sopro. É o máximo por hoje. Não tente entender meu querido companheiro. Como é estranho alguém tentar entender a vida. O que é a vida? Não percebem que vocês são a vida? Você é a vida! Como estar em busca da vida? Sim eu entendo, mas agora sou eu que falo, então me escute. A vida é você. Muito mais do que você pensa. Como assim pensar sobre o que é a vida? Como pode a gota pensar sobre o oceano? Ela não vê que ela é o oceano? Todos os mistérios da existência estão em vocês meus queridos. Meus companheiros. Meus irmãos, meus camaradas. Meus outros eus. A vida está em tudo. Ela está em todos. Ela está no nascer, ela está no morrer. Ela está no chorar, ela está no sorrir. Ela está no vencer, ela está no perder. Ela está no amar, ela está no odiar. Ela está na companhia, ela está na solidão. Em tudo. Para onde quer que você vá meu querido. Do jeito que você quiser ir e com quem você quiser ir, sim a vida estará lá. Pois não há nada além dela. A vida é tudo. A vida é toda. Você é a vida. Você é todo. Em você está o todo. Você é o todo.

sábado, 6 de agosto de 2011

O louco outra vez

E ainda têm a coragem de me dizer que é preciso disciplina para produzir, que é preciso regras, horários, normas, leis, força, polícia, estado. Já chega bando de malucos. Vocês já destruíram a verdadeira capacidade criativa humana por muito tempo. Loucos criadores de leis. Tudo que veio até hoje de sua disciplina foi feio, foi cinza, foi triste, foi infeliz e sem graça assim como são todos vocês. Não venha me falar que não existe produtividade livre na natureza humana. Quem são vocês para falar de natureza humana? Vocês nem humanos são direito, quanto mais "naturais". Existe alma no homem. Existe espírito que não aguenta apenas ser corpo e viver só de comida. Existe espírito e criar é o alimento dele. Produzir beleza, ser a si mesmo, amar, isso pede o espírito assim como o corpo pede água. Se vocês ainda estão a quilômetros de distância de perceberem que vocês possuem uma alma então que criem a miséria que vocês queiram, porém por favor comecem a fazer isso apenas entre vocês. Nos deixem em paz malditos! A alma precisa de alimento também, e a liberdade é sua única semente possível. Dê liberdade aos homens de espírito e veja se eles não são capazes de criar infinitamente mais do que todos vocês. E todos os homens tem espírito. Até mesmo vocês, apesar de suas almas estarem estraçalhadas de tanta violência que é a base de tudo que vocês fazem. Até mesmo vocês tem alma. Mesmo que ela esteja cansada, dilacerada, esmagada e destruída. Deem liberdade a quem tem espírito e vejam se trabalho e criação não brotarão livremente de suas naturezas. Criar para eles não é um dever, é uma necessidade. Eles não são como vocês pensam malditos homens engravatados. Vocês não entendem nada sobre nada. Vocês desfrutam violência porque essa é a única fonte de gozo que vocês encontraram. Vocês condenaram até mesmo o sexo, oh infelizes camelos sem significado. "Obediência" é a única coisa que escuto vindo de vocês. Oh homens dilacerados que ainda não tem coragem de se rebelar. Quantos segredos e mistérios a vida ainda tem guardado para vocês. Mas mistério é uma palavra que ainda dói aos seus ouvidos. Vocês querem é certeza. Pois tudo que vocês fazem é fruto do medo. Só procura certeza quem morre de medo. Coragem te leva para o desconhecido, para o incerto, para a existência. Mas isso é algo que suas regras jamais entenderão, oh homens admiradores daquilo que é lama. Homens criadores de feiúra, que esteja a chegar o dia em que brotem em vocês um pingo de clarividência para que possam ver o podre que surgiu de tudo aquilo que vocês fizeram. Ou então o dia em que o espírito ganhe também força. Que o espírito vire também corpo e ganhe resistência. Aí então quem sabe ... quem sabe não destronaremos aqueles últimos infelizes que ainda insistem em ser reis. Que o espírito ganhe força. Já passou da hora da revolução que vem da alma.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Sobre Deus, a verdade e algo mais

- O cientista também tem o seu Deus. Ele se chama verdade.
- Queres uma verdade intocável para quê alma orgulhosa? Não é para se tornar também ... intocável?
- A busca pela verdade é apenas um sintoma da busca por poder. Vontade de potência como diria Nietzsche.
- Uma vez ouvi dizê-lo: "Podem me destruir, mas jamais destruirão a minha verdade". Mas espere um pouco! Não é a sua verdade, no fundo, ... você?
- E foi assim que ouvi o grito de liberdade que veio enlouquecido do fundo da minha alma: " Eu não quero mais um Deus dilacerado. Eu quero um Deus que saiba rir. Inclusive de si mesmo".
- Se o seu Deus não te faz rir, então procure companhias melhores, pois essa não é digna de você.
- Sempre tenha cuidado ao construir uma estátua com pedra. Pois você terá que usar dinamite se um dia quiser destruí-la.

sábado, 23 de julho de 2011

Sinais de uma espiritualidade elevada

- Você é daqueles que ainda tem medo de obsessores ou já são os obsessores que tem medo de você?
- Você é daqueles que procura nos espíritos guias espirituais ou apenas companheiros de viagem?
- A sua espiritualidade faz de você um menino que precisa escutar dos outros o que fazer ou ela te torna um homem capaz de decidir as coisas por si só?
- Você é daqueles que roga por Jesus pedindo salvação ou daqueles que já percebeu que Jesus te ofendeu ao pensar que você precisava de alguém para ser salvo?
- Porém vale a pena ressaltar que não se pode culpar Jesus por causa disso. Pois afinal, ele não sabia o que estava fazendo.
- Você nega e reprime o seu corpo? Então você nega o presente mais sagrado que a existência te deu. Você é o pior tipo de ingrato que pode existir.
- A sua espiritualidade te faz negar a vida material ou ela é a aceitação e afirmação máxima dessa vida?
- A sua espiritualidade ainda te faz desejar um "outro mundo" ou ela já te faz afirmar "esse mundo"?
- Já é Deus o fruto daquilo que você cria ou ainda é você que foi criado por Deus?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Caminhos para lugar nenhum

Estranho hoje é ver o nome do blog se chamar assim. Eu precisava disso anteriormente. Não dava mais para caminhar o caminho dos outros. Por isso precisei ver a vida sem nenhum caminho. Nada que era dos outros jamais me satisfez. A meditação no início me levou a esse ponto. O não-caminho. Me parecia que todos os caminhos de alguma forma eram caminhos que inevitavelmente me levariam de volta ao todo. Todos. As mulheres que eu amava, independente de quem eram, eram apenas caminhos de volta ao amor. Ao amor que flui em mim. Todos os caminhos eram caminhos. Não havia caminho pois todos eram caminhos. Tudo que eu fazia e tudo que acontecia eram apenas indicações de algo que eu tinha em algum lugar dentro de mim. Tudo era caminho para dentro de mim. E o que têm dentro de mim? Um eu? Ou um rio? Um rio chamado existência que flui sem cessar quando o eu some. Tudo de belo que eu já realizei nessa vida foi quando não havia um eu realizando. E foi então que vi que tudo já estava aqui. Tudo! Não havia caminho nenhum a ser seguido. Entretanto a meditação se aprofundou e algo me veio. Sim há um caminho. Existe uma estrada. Todos os caminhos levam a ela, isso ainda é verdade. Todo o universo é apenas uma desculpa para me mostrar algo em mim. Isso ainda é verdade. Porém, apesar de tudo ser desculpa, existem desculpas que são melhores do que outras. As mulheres são desculpas para me mostrar o amor que flui em mim. Porém existem desculpas que são muito melhores do que outras, e fazem o serviço de forma muito mais bela e eficaz do que outras. A existência é infinitamente sábia. E ela nos mostra a todo tempo caminhos que apesar de não serem o objetivo em si são maneiras de voltar ao todo. De voltar à existência. Não há caminhos ruins, todos são caminhos. Apenas acontece que alguns são melhores do que outros. Mas isso cada um tem que encontrar o seu. A relação de cada um com a existência é única. Ninguém pode caminhar pelo outro. Ninguém. A sua volta ao todo é uma relação única entre você e a existência. Só você pode saber o seu caminho. E só você pode caminhá-lo.

sábado, 9 de julho de 2011

Da liberdade

E lendo o Zaratustra do meu amigo Nietzsche me encontrei com a frase: "Livre de quê? Que importa isso a Zaratustra? O teu olhar, porém, deve anunciar−se claramente:  livre, para quê?". Esse foi o insight que mais me tocou em toda minha vida a respeito da liberdade. Livre para quê? Essa é a pergunta que devem se fazer todos os amantes da liberdade. Não pensar nisso foi o erro de todas as revoluções. Estão realmente as pessoas prontas para serem livres? Tem elas destino suficiente em seus olhos que possam guiá-las quando estiverem livres? Tem elas bravura suficiente para serem donas de seus próprios valores e julgamentos? Ou ainda necessitam de alguém que as diga o que é certo e errado? Chame esse alguém do que quiser, Estado, lei, ética, senso-comum, espírito de luz, Deus, não importa, é tudo a mesma coisa. É tudo falta de destino no próprio olhar, falta de coragem de caminhar com os próprios pés, falta de capacidade de ser dono de si mesmo.
Liberdade é o único caminho possível da alma inquieta, do pássaro que anseia em voar livre, do humano que percebeu que chegou a hora de não mais depender do julgamento dos outros. Pois como é óbvio para qualquer alma com um olhar mais aguçado, os julgamentos dos outros não mostram nada de ruim a respeito do que está sendo julgado, eles apenas mostram a pequenez dos olhos de quem está julgando.
Liberdade eu vos digo, esse é o caminho da alma limpa. Porém caros amigos de olhar penetrante, lembrem-se de que essa liberdade é apenas para quem já está pronta para ela. Não sejam tiranos a ponto de tentar impô-la aos que ainda não poderiam com ela. Isso seria um crime muito maior do que quando eles te impõem a prisão. Eles não tem os olhos suficientemente abertos, eles não poderiam fazer diferente. Mas você caro amigo solitário. Você é abençoado em sua grandeza. Não goze dos prazeres baixos da tirania. Existem prazeres muito mais elevados aguardando pela sua vinda. Caro amigo de coração nobre, lute pela sua liberdade. Que ela seja uma conquista. Uma conquista sua. E jamais queira que a liberdade do outro seja também uma conquista sua. Liberdade cada um tem que conquistar a sua. Cada um tem a sua hora para ela.
Caro amigo de amor inesgotável. Compreenda que muitos ainda não estão prontos para ela. Seja bondoso com eles e permitam que ainda tenham os seus reis e os seus Deuses. Pois ainda necessitam deles. Não os condenem a serem livres enquanto ainda não tem condições de lidarem com a própria liberdade. Seja você uma alma liberta, derrame você no mundo a fragrância dos novos tempos, porém deixem que eles sigam os seus próprios caminhos. Deixe que eles tenham os seus próprios tempos. Nós também já tivemos os nossos. Não cabe a nós caminhar pelos outros. Siga o seu próprio caminho meu caro amigo de vigor incansável.

Trecho do Zaratustra de Nietzsche


Do Caminho do Criador

"Queres, meu irmão, isolar−te? Queres
procurar o caminho que te guia a ti
mesmo? Espera ainda um momento e
ouve−me.

"O que procura é um erro". Assim fala o
rebanho.

E tu pertenceste ao rebanho durante
muito tempo.

Em ti também ainda há de ressoar a voz
do rebanho. E tu pertenceste ao
rebanho durante muito tempo.

Em ti também ainda há de ressoar a voz
do rebanho. E quando disseres: "Já não
tenho uma consciência comum
convosco", isso será uma queixa e uma
dor.

Essa mesma dor é filha da consciência
comum, e a última centelha dessa
consciência ainda brilha na tua aflição.

Queres, no entanto, seguir o caminho
da tua aflição, que é o caminho para ti
mesmo? Demonstra−me o teu direito e
a tua força para isso!

Acaso és uma força nova e um novo
direito?

Um primeiro movimento? Uma roda que
gira sobre si mesma? Podes obrigar as
estrelas a girarem em tomo de ti?

Ai! Existe tanta ansiedade pelas alturas!

Há tantas convulsões de ambição!
Demonstra−me que não pertences ao
número dos cobiçosos nem dos
ambiciosos!

Ai! Existem tantos pensamentos
grandes que apenas fazem o mesmo
que um fole. Incham e esvaziam.

Chamas−te livre? Quero que me digas o
teu pensamento principal, e não que te
livraste de jugo.

Serás tu alguém que tenha o direito de
se livrar de um jugo? Há quem perca o
seu último valor ao libertar−se da sua
sujeição.

Livre de quê? Que importa isso a
Zaratustra? O teu olhar, porém, deve
anunciar−se claramente:
livre, para quê? Podes proporcionar a ti
mesmo teu bem e o teu mal, e
suspender a tua vontade por cima de ti
como uma lei? Podes ser o teu próprio
juiz e vingador da tua lei?

Terrível é estar a sós com o juiz e o
vingador da própria lei, como estrela
lançada ao espaço vazio no meio do
sopro gelado da soledade. Ainda hoje te
atormenta a multidão; ainda conservas o
teu valor e as tuas esperanças todas...
Um dia, contudo, te fatigará a soledade,
se abaterá o teu orgulho e cerrarás os
dentes. Um dia clamarás: "Estou só!"

Chegará um dia em que já não vejas a
tua altura, e em que a tua baixeza esteja
demasiado perto de ti. A tua própria
sublimidade te amedrontará como um
fantasma. Um dia gritarás: "Tudo é
falso!"

Há sentimentos que querem matar o
solitário. Não o conseguem? Pois eles
que morram! Mas serás tu capaz de ser
assassino?

Meu irmão, já conheces a palavra
"desprezo"? E o tormento da justiça de
ser justo para com os que te
menosprezam?

Obrigas muitos a mudarem de opinião a
teu respeito; por isso te consideram.
Abeiraste−te deles, e contudo, passaste
adiante; é coisa que te não perdoam.
Elevaste−te acima deles; mas quanto
mais alto sobes tanto mais baixo te vêm
os olhos da inveja. E ninguém é tão
odiado como o que voa.

"Como quereríeis ser justo para comigo!
− assim é que deves falar. − Eu destino
para mim a vossa injustiça, como lote
que me está destinado".

Injustiça e baixeza é o que eles arrojam
ao solitário; mas, meu irmão, se queres
ser uma estrela, nem por isso os hás de
iluminar menos.

E livra−te dos bons e dos justos!
Agrada−lhes crucificar os que invejam a
sua própria virtude: odeiam o solitário. E
livra−te ainda assim da santa
simplicidade!

A seus olhos não é santo o que é
simples, e apraz−lhe brincar com fogo...
das fogueiras.

E livra−te também dos impulsos do teu
amor! O solitário estende depressa
demais a mão a quem encontra.

Há homens a quem não deves dar a
mão, mas tão−somente a pata, e além
disso quero que a tua pata tenha garras.
O pior inimigo, todavia, que podes
encontrar, és tu mesmo; lança−te a ti
próprio nas cavernas e nos bosques.

Solitário, tu segues o caminho que te
conduz a ti mesmo! E o teu caminho
passa por diante de ti dos e dos teus
sete demônios.

Serás herege para ti mesmo serás
feiticeiro, adivinho doido incrédulo, ímpio
e malvado.

É mister que queiras consumir−te na tua
própria chama. Como quererias
renovar−te sem primeiro te reduzires a
cinzas?

Solitário, tu segues o caminho do
criador: queres tirar um deus dos teus
sete demônios!

Solitário, tu segues o caminho do
amante: amas−te a ti mesmo, e por isso
te desprezas, como só desprezam os
amantes.

O amante quer criar porque despreza!
Que saberia do amor aquele que não
devesse menosprezar justamente o que
amava?

Vai−te para o isolamento, meu irmão,
com o teu amor e com a tua criação, e
tarde será que a justiça te siga
claudicando.

Vai−te para o isolamento com as
minhas lágrimas, meu irmão. Eu amo o
que quer criar qualquer coisa superior a
si mesmo e dessa arte sucumbe".

Assim falou Zaratustra.