sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Trecho de "O profeta" de Kahlil Gibran


Sobre as leis

Então um homem de leis disse, e as nossas Leis, Mestre?
E ele respondeu:
Deleitais-vos a fazer as leis, no entanto, mais vos deleitais em as desrespeitar.
Como crianças brincando junto ao oceano, a construir castelos de areia com persistência para logo os destruírem alegremente.
Mas enquanto construís os vossos castelos de areia o oceano traz mais areia para a costa, e, quando vós os destruís, o oceano ri-se convosco.
Na verdade o oceano ri-se sempre com os inocentes.
Mas que dizer daqueles para quem a vida não é um oceano, e as leis feitas pelo homem não são castelos de areia, mas para quem a vida é uma rocha, e a lei um cinzel que serve para a moldarem à sua semelhança?
Que dizer do aleijado que detesta dançarinos?
Que dizer do boi que gosta do jugo e condena o cisne e o gamo da floresta por serem seres errantes e vagabundos?
Que dizer da velha serpente que não consegue despir-se da sua pele e acusa os outros de estarem nus e não terem pudor?
E daquele que aparece cedo na festa do casamento, e que, depois de bem alimentado e já cansado, se vai embora dizendo que todas as comemorações são violação e os participantes violadores de leis?
Que poderei dizer desses a não ser que também eles estão expostos à luz, mas de costas viradas para o sol?
Só conseguem ver as suas sombras, e as suas sombras são as suas leis.
E que é o sol para eles senão um conjunto de sombras?
E o que significa reconhecer as leis senão curvar-se e traçar as suas sombras na terra?
Mas vós, que caminhais enfrentando o sol, que imagens da terra podereis reter?
Vós, que viajais com o vento, que catavento poderá orientar o vosso rumo?
Que lei do homem vos prenderá se quebrais o vosso jugo longe da porta da prisão?
Que leis receareis se dançardes mas tropeçardes em grilhetas inexistentes?
E quem vos poderá julgar se despedaçardes as vossas roupas sem todavia as deixardes no caminho de nenhum homem?
Povo de Orfalés, podereis abafar o tambor e alargar as cordas da lira, mas quem poderá impedir a cotovia de cantar?