Todavia, a palavra mais incisiva em favor dessa nova e
inaudita estimação do saber e da inteligência foi proferida por
Sócrates, quando verificou que era o único a confessar a si
mesmo que não sabia nada; enquanto, em suas andanças
críticas através de Atenas , conversando com os maiores estadistas,
oradores, poetas e artistas , deparava com a presunção
do saber. Com espanto, reconheceu que todas aquelas
celebridades não possuíam uma compreensão certa e segura
nem sequer sobre suas profissões e seguiam-nas apenas por
instinto. "Apenas por instinto": por essa expressão tocamos
no coração e no ponto central da tendência socrática. Com
ela, o socratismo condena tanto a arte quanto a ética vigentes;
para onde quer que dirija o seu olhar perscrutador, avista
ele a falta de compreensão e o poder da ilusão; dessa falta,
infere a íntima insensatez e a detestabilidade do existente.
A partir desse único ponto julgou Sócrates que devia corrigir
a existência: ele, só ele, entra com ar de menosprezo e
de superioridade, como precursor de uma cultura, arte e moral
totalmente distintas, em um mundo tal que seria por nós
considerado a maior felicidade agarrar-lhe a fímbria com todo
o respeito.
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Também a arte dionisíaca quer nos convencer do eterno
prazer da existência: só que não devemos procurar esse prazer
nas aparências, mas por trás delas. Cumpre-nos reconhecer
que tudo quanto nasce precisa estar pronto para um doloroso
ocaso; somos forçados a adentrar nosso olhar nos horrores
da existência individual - e não devemos todavia
estarrecer-nos: um consolo metafísico nos arranca momentaneamente
da engrenagem das figuras mutantes. Nós mesmos
somos realmente, por breves instantes, o ser primordial
e sentimos o seu indomável desejo e prazer de existir; a luta,
o tormento, a aniquilação das aparências se nos afiguram agora
necessários, dada a pletora de incontáveis formas de existência
a comprimir-se e a empurrar-se para entrar na vida,
dada a exuberante fecundidade da vontade do mundo; nós
somos trespassados pelo espinho raivante desses tormentos,
onde quer que nos tenhamos tornado um só, por assim dizer,
com esse incomensurável arquiprazer na existência e onde
quer que pressintamos, em êxtase dionisíaco, a indestrutibilidade
e a perenidade deste prazer. Apesar do medo e da
compaixão, somos os ditosos viventes, não como indivíduos, porém como o uno vivente, com cujo gozo procriador estamos
fundidos.